Recomendações na perspectiva da responsabilidade social em contexto de pandemia.
As novas dinâmicas e desafios impostos ao contexto atual de pandemia causada pelo novo coronavírus ressaltam a importância de parcerias e exigem ações coletivas por parte de todos os setores da sociedade, visando garantir a preservação da saúde da população, sem violar os direitos humanos e de modo a manter a transparência e a integridade. Ao considerar essa realidade, este Guia de Recomendação orienta como as empresas podem responder aos desafios, superar o momento e pensar no processo de retomada responsável e sustentável.
O Guia é destinado a todas as empresas. Fornece recomendações baseadas na responsabilidade social empresarial para facilitar a tomada de decisões e a implementação de respostas efetivas. As recomendações devem ser avaliadas e adotadas de acordo com as características e necessidades de cada organização (como porte, nível de maturidade e setor de atuação) de maneira a exercer sua responsabilidade e apoiar, da melhor forma possível, ações de mitigação dos impactos negativos do vírus na sociedade.
Agradecemos as contribuições feitas pela equipe do escritório Mattos Filho, Veiga Filho, Marrey Jr e Quiroga Advogados nas discussões e no processo de construção de parte do conteúdo relativo a interações entre empresas e órgãos públicos
A lógica de uma abordagem integrada entre as agendas de Direitos Humanos e Anticorrupção parte do princípio que os mecanismos de controle e monitoramento devem existir para fortalecer os direitos fundamentais dos indivíduos. A corrupção prolonga as crises humanitárias, aumenta seus custos sociais e econômicos e, em última instância, pode resultar na perda de direitos fundamentais. Os vínculos entre corrupção e abusos dos direitos humanos sugerem que deveria haver mais coerência nos dois campos, tanto na prevenção quanto no combate.
As empresas precisam desenvolver práticas não-discriminatórias que respeitem a dignidade humana e que deem transparência a suas ações. É possível trabalhar a responsabilidade social de forma completa, atendendo agendas que são transversais.
As empresas devem sempre buscar contribuir para o desenvolvimento sustentável, sobretudo nas comunidades onde elas geram receita. Devem estar cientes dos diversos desafios transversais que a crise intensifica e considerá-los em suas respostas.
Referencias:
Os mecanismos de governança das empresas estão sendo desafiados neste momento emergencial. Princípios e boas práticas de governança corporativa no atual cenário são essenciais para influenciar na melhoria de processos de tomada de decisão e na liderança efetiva. Princípios básicos de governança corporativa devem nortear deliberações e ações de sócios, administradores e gestores.
O período de suspensão de atividades com potencial de aglomeração coincidiu com a temporada de assembleias gerais dos mais diversos tipos de organizações (sociedades por ações, sociedades limitadas, cooperativas, associações, fundações, sindicatos, entre outras) para aprovação de contas e eleição de administradores. Com a edição da Medida Provisória n° 931/2020 e sua regulamentação, as empresas receberam autorização para adiar os conclaves até outubro ou realizá-los de maneira 100% digital, em respeito às orientações das autoridades de saúde pública e à integridade de todas as partes interessadas, funcionários e públicos externos.
A transparência das empresas demonstra compromisso com seu público e a responsabilidade social e promove uma melhora na relação de confiança com quem se relacionam. Cada vez mais, as pessoas valorizam empresas que atuam em linha com valores e causas que se identificam. Dar clareza e visibilidade sobre informações importantes, tais como as decisões da empresa, possibilita uma conexão mais saudável com seus parceiros comerciais e/ou consumidores e facilita o acompanhamento e monitoramento das suas atividades. A transparência é importante tanto para o público interno, quanto externo.
Os programas de compliance das empresas estão sendo desafiados neste momento emergencial. Isso porque muitas empresas estão procurando maneiras de reduzir custos e cortar procedimentos, o que implica no aumento do risco de comprometer os padrões de integridade, ética e transparência. Além disso, as alterações de procedimentos para adequação a demandas emergenciais também implicam em novos desafios para seus programas de integridade.
Referencias:
Globalmente, estima-se que entre 10% a 25% dos recursos gastos em compras públicas é perdido para a corrupção 1. No momento atual, a flexibilização das regras para a realização de contratações públicas aumenta ainda mais o risco de corrupção e das empresas serem envolvidas em processos de contratações questionáveis. Nesse contexto, as empresas contratadas devem se atentar para que sua atuação preserve a integridade do processo, bem como cooperar com as atividades de monitoramento e fiscalização dos gastos emergenciais.
Referencias:
As empresas podem utilizar como referência os itens estabelecidos no art. 4§ 2º da Lei nº 13.979 de 2020 de transparência relativa às contratações realizadas neste cenário de excepcionalidade.
A doação 1 é um importante instrumento de responsabilidade social corporativa para o enfrentamento de crises humanitárias, sociais e econômicas. Em circunstâncias extraordinárias como a atual pandemia, é natural que as empresas busquem exercer seu papel social por meio de doações de recursos financeiros e insumos. Neste momento, no qual a urgência e agilidade são fundamentais, medidas anticorrupção tradicionais podem não ser suficientes para prevenir que as doações sejam utilizadas com o propósito de vantagens indevidas ou para impedir danos futuros à sociedade.
Referencias:
Fraudes podem ser entendidas como falsificação, adulteração, omissão ou não registro (intencional) de informações sobre a situação financeira/patrimonial da empresa (ativos, receitas, despesas, dívidas, entre outros). Em um cenário delicado como o atual, é fundamental que os profissionais envolvidos preservem os valores e princípios éticos e de transparência em suas ações.
Os recursos públicos disponibilizados de forma emergencial, a ajuda internacional, e os recursos disponibilizados/doados pelas empresas devem ser acompanhados de mecanismos de controle anticorrupção, principalmente o canal de denúncias 1. Além de detectar fraudes e corrupção, o canal de denúncia possibilita um ambiente transparente, que prioriza a ética e a integridade, e atua na prevenção de casos de violação de direitos e abusos. Se processos de controle forem flexibilizados, a empresa deve contar ainda mais com denunciantes para a identificação de suspeitas de irregularidades.
Referencias:
É importante destacar que, embora a legislação brasileira não obrigue as empresas em geral a instituírem canais de denúncias, há um incentivo legal para sua adoção, uma vez que a ferramenta é um dos requisitos de avaliação dos programas de integridade pelas autoridades.
O Ministério da Justiça e Segurança Pública, em conjunto com a ICC Brasil, lançou em janeiro de 2020 um canal exclusivo para receber denúncias de atos ilícitos praticados contra a administração pública como corrupção, lavagem de dinheiro, pirataria e crimes cibernéticos, por exemplo. A ICC Brasil disponibiliza acesso direto para que empresas e cidadãos possam manifestar-se informando atos ilícitos praticados contra a administração pública, além de outras opções, em conformidade com a Lei de Acesso à Informação, o Código de Defesa dos Usuários de Serviços Públicos e a Lei Anticorrupção. A ferramenta assegura, ainda, a preservação do anonimato dos denunciantes, de acordo com o Decreto nº 10.153, de 3 de dezembro de 2019. O acesso garante que a análise preliminar da denúncia se dará dentro da Ouvidoria-Geral do MJSP, para que, após essa primeira verificação, seja encaminhada para autoridade competente e adequada, dando sequência a apuração do caso – Disponível em < http://iccbrasil.org/noticias/2020/1/28/canal-de-denuncias-mjsp/> Acessado em 27 de maio.
A pandemia promovida pelo novo coronavirus expôs as fragilidades existentes na sociedade. As desigualdades sociais, intensificadas nos últimos tempos, têm demonstrado o processo de constante violação dos direitos humanos a uma parcela significativa da população brasileira. A dimensão humanitária para a contenção da crise deve nortear as políticas socioeconômicas, o que exige apoio coletivo de todos os atores da sociedade, especialmente sob a ótica da proteção de social. É fundamental que em quaisquer medidas adotadas a garantia dos direitos humanos e proteção social sejam pilares.
Referencias:
Como mencionado anteriormente, a atual situação intensificou as desigualdades existentes no Brasil 1, especialmente entre a população negra brasileira e as mulheres. A população negra é a maioria dos trabalhadores em serviços informais e essenciais, que apresentam dificuldades no cumprimento do isolamento social sem o comprometimento da renda. As medidas de isolamento em resposta ao novo coronavírus refletem na dependência financeira de seus parceiros (ainda economicamente ativos). Além disso as medidas de bloqueio em resposta a Covid-19 aumentaram a violência doméstica em mais de 30% em algumas regiões do país 2. Ao mesmo tempo, os recursos para apoiar as mulheres que sofrem violência são menos disponíveis e acessíveis, como resultado das políticas de pandemia para a permanência em casa.
Mais do que elaborar estratégias de atuação no enfrentamento da crise, o contexto exige que as empresas preservem o acúmulo alcançado, por meio de políticas e investimentos realizados na promoção da equidade racial e de gênero.
Referencias:
Coronavírus: isolamento social amplia a violência doméstica. Acessado em 29 de maio de 2020.
O que o Investimento social privado pode fazer por… Direitos das mulheres” – Fonte: GIFE – Acessado em 17 de maio de 2020.
Como sugestão na agenda de Gestão para o Desenvolvimento Sustentável, o Instituto Ethos desenvolveu uma série de indicadores para o monitoramento das agendas de Direitos Humanos, Integridade e Mudança do Clima – Fonte: Ethos – Acessado em 22 de maio de 2020.
Resumo Técnico: Covid-19: Um olhar para gênero – Proteção da saúde e dos direitos sexuais e reprodutivos e promoção da igualdade de gênero” – Fonte: UNFPA – Acessado em 17 de maio de 2020;
Como sugestão de engajamento, existe a “Coalizão empresarial para equidade racial e de gênero” construída pelo Instituto Ethos, Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (CEERT) e o Institute for Human Rights and Business (IHRB) e com o apoio do Movimento Mulheres 360 e do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). A iniciativa é apoiada pelo Fundo Newton, oferecido pelo governo Britânico para impulsionar a promoção da diversidade e da igualdade racial e de gênero no mercado de trabalho – Disponível em <https://www.ethos.org.br/conteudo/projetos/direitos-humanos/33221-2/ > Acessado em 17 de maio de 2020.
A pandemia impactou as empresas e suas cadeias de valor, o que inclui PMEs. Estas se encontram em um campo de tensão econômica extremamente elevada, sofrendo maiores impactos pela paralisação econômica e colocando pressão para a fragilização dos seus mecanismos de controle, aumentando os riscos de irregularidades, criando um ambiente propício a fraudes e outros atos ilícitos sob a justificativa da sobrevivência. Diante deste cenário, a adoção de medidas que busquem preservar a integridade na cadeia de valor é fundamental para resguardar não somente a própria empresa, mas também fornecedores e consumidores.
Referencias:
A falta de regulamentação do lobby ou da defesa de interesses no Brasil e as dificuldades de acesso à informação podem trazer distorções nas respostas e apoios do governo, o que pode prejudicar predominantemente pequenas e médias empresas. Por isso, é estratégico se articular por meio de associações ou federações e atuar em conjunto – sendo fundamental garantir nestas articulações os mais altos padrões de transparência e integridade. Deve-se atentar para que o nome da empresa seja incluído somente em articulações em que esteja de pleno acordo para não correr o risco de ser envolvida em ações que estejam em discordância com sua atuação.
É essencial destacar alguns atores chaves do setor financeiro, como bancos, seguradoras, financiadoras e reguladores, pensando nas possíveis medidas adotadas para o enfrentamento da crise. É válido dizer que as flexibilizações atuais intensificaram um cenário já propício para fraudes, corrupções e violações de direitos fundamentais. Esse é também um período em que há aumento de renegociações e taxas de inadimplência, o que torna imprescindível que tais acordos sejam realizados em bases não abusivas e acessíveis, inclusive considerando os grupos mais vulneráveis.
Corrupções e fraudes no setor de saúde causam perdas de mais de US $ 450 bilhões a cada ano 1. Emergências de saúde globais anteriores, como o vírus Ebola e a gripe suína ensinaram que a corrupção, infelizmente, costuma aumentar em tempos de crise, especialmente quando as instituições estão fragilizadas.
Referencias:
The costs of corruption during humanitarian crises, and mitigation strategies for development agencies – Acessado em 12 de maio de 2020
A atual conjuntura evidenciou as dificuldades do acesso ao direito universal à saúde, estabelecido pelo artigo 6º da Constituição Federal. Para tanto, o Brasil conta com o Sistema Único de Saúde (SUS), programa de referência internacional na área de saúde pública, por meio do qual está prevista a execução gratuita, o controle e a fiscalização de ações e serviços públicos de saúde e saneamento básico, organizados por rede regionalizada e hierarquizada. Ainda que o texto constitucional reconheça a saúde como responsabilidade do Estado, também admite a participação de entes privados na prestação de ações e serviços de saúde.
Medidas como a flexibilização das regras da legislação e dos controles são necessárias pela situação de crise humanitária que nos encontramos. Entretanto, não podem servir como salvo conduto para que empresas pratiquem irregularidades e abusos econômicos.
A Agenda 2030 das Nações Unidas fornece direções para o mundo que alcançar. Este Guia ressalta a importância das empresas na construção deste planeta, mesmo diante de situação adversa, ao fortalecerem a governança, fiscalizarem a distribuição de recursos, doações e contratações, e promoverem a transparência e cuidado com a população em estado de vulnerabilidade. É um guia para se gerenciar a pandemia sob a lente do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 16. 1
Neste momento, a atuação do setor empresarial em resposta à crise traz a chance de as empresas demonstrarem a responsabilidade social na prática. É possível atravessarmos este cenário fortalecidos e construirmos, juntos, o mundo da Agenda 2030.
Este Guia é um passo nessa jornada.
Referencias:
Conectando quem precisa de ajuda com os que podem ajudar. De um lado estão cadastradas as necessidades do sistema de saúde e apoio aos vulneráveis. Do outro, as empresas que podem ajudar com os seus recursos.
Informações da pandemia em tempo real, que permitem acompanhar e simular o avanço da Covid-19 por regiões, cidades e até bairros. Utiliza dados de mobilidade e propagação fornecidos por fontes oficiais.
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